eu sou um estranho em terras estranhas - monotipia sobre papel vegetal




sempre madrugada - catraca




preservando memórias - cera de abelha sobre fotos de família




ensaios sobre tradição - cera de abelha sobre talit katan




shtetl e árvore genealógica




objetos de culto - xilogravura sobre papel de arroz







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Para cima do chão há o invisível* com Maya Weishof

Sintetizar o mundo numa superfície pela gravura é uma maneira de criar moldes para a sua reprodução indefinida. É uma forma de fabricar em série geografias possíveis, por essa relação entre matriz e cópias que caracteriza a linguagem artística. Os materiais que compõem os relevos terrestres tais como madeira, pedra e metal, transformam-se nos clichês que formam imagens sobre o papel, produzindo outros relevos. O papel, nesse exercício, é o território do artista. Qual casa, pátria, origem, templo ou ruína se estrutura dentro do limite de quatro cantos?
Outras dúvidas surgem se nos perguntamos sobre o que guia um artista: se são coordenadas, uma luz, um manifesto ou seu orixá. O que os guia em sua recuperação de sentido sobre as situações que os circundam, como se dá a transposição da experiência para o campo da arte. E, ainda, se esse ato criador se circunscreve nas fronteiras das convenções. Pois quais seriam as táticas para considerar a gravura em sua tradição e, ao mesmo tempo, ampliar o alcance do seu conceito, na arte contemporânea? A dúvida é o estímulo dos artistas Eduardo Amato e Maya Weishof, que apresentam seus processos artísticos na incorporação desses questionamentos.
No estudo de novos fazeres, cimento, cera de abelha, e pó de grafite substituem a usual tinta offset, e se manifestam como veladuras sobre mapas, tecidos e fotografias. Quando não são usadas para cobrir e proteger, essas substâncias revelam palavras, símbolos e formas. As superfícies que recebem a matéria, por não serem neutras, guardam a memória dos álbuns de família, dos atlas empoeirados das bibliotecas e de vestes surradas pelo tempo: objetos de apropriação dos artistas. Entre experimentações e práticas, os autores criam suas alquimias e apresentam um olhar renovado para a atividade gráfica.
Se o papel é o território do artista, seu chão, o invisível se revela enquanto o plano das infinitas possibilidades. A orientação do seu caminho pode ser esclarecida por um mapa, um pertencimento, uma paisagem, um limite, uma oração ou sua ancestralidade. Nesta mostra em especial, nos deparamos com duas rotas percorridas. A extensão de cada rota se dá na medida da interlocução, pois é preciso que um veja e o outro ouça: e é no diálogo que as poéticas de Eduardo e Maya se corporificam, uma vez que “a beleza é sempre alguém, no sentido em que ela se concretiza apenas pela expectativa da reunião com o outro”.** Isadora Mattiolli (curadora)

* O título é apropriação de trecho do texto “Carta ao filho” da artista brasileira Lygia Clark (1920 – 1988).

** A frase foi retirada do livro “A desumanização” do autor português Valter Hugo Mãe (1971).

Solar do Barão 2016