video performance
16:9 / 16’41 / mono / cor

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Dispor a casa sob o chão.
Breves reflexões acerca do trabalho de Eduardo Amato

Agindo entre o limiar do mundo humano e do mundo espiritual, estamos assistindo a construção de um espaço possível para abrigar a potência de um mundo incorporado por posicionamentos ético-religiosos que, tornando-se tão amplos e diversos em nosso século, apresentam-se como pensamentos de um artista que considera cada detalhe destas posições ao trabalhar o rito que, em si, já é a performance art. Eduardo coloca-se aberto e disponível, em contato com uma outra dimensão do tempo e do existir, ao aproximar sua prática a questões ligadas à tradição, literatura, holismo e um certo misticismo que, aliado a uma dinâmica espiritual de troca, confere a introdução de um princípio de unicidade e de transformação que só é possível através da performance art.

Neste universo mágico, seus objetos ritualísticos orquestram uma cerimônia. Apostando na relação direta do seu corpo em relação com o espaço e deste com a arquitetura da casa onde três gerações de sua própria família viveram, o casarão onde a performance art foi realizada atua como um catalisador de emoções e de atravessamentos criativos para o autor da ação, que age como uma antena: “capta, decifra e revela a dualidade da vida por múltiplas formas, onde vemos a multiplicidade de seu ofício” (BOECHAT, 2009) e através deste ofício cambiante, transforma este espaço histórico e inter-geracional num campo ativo e pulsante que envolve questões de tradição e performance, processos migratórios e fraturas geopolíticas.

Deste lugar, Eduardo Amato nos transporta a um mundo lúdico e religioso — que já são características de seu trabalho desde o início de sua carreira — e, mantendo uma coesão protocolar no que tange ao estudo da presença e ao estudo do ritual, constrói em “Bound, bound, Buddha” um texto: casa-objeto-corpo. Esta casa, construída em 1925, que também é seu corpo e sangue, que é história e estuque, chão, terra, ancestralidade, encaixa-se também nos interstícios.

Envolvidos nas intensas pistas visuais que os objetos utilizados trazem para a ação, o pensamento criativo do trabalho aqui apresentado conserva a dimensão do caráter religioso no âmbito da arte e toma seu ápice na prática incansável de um artista capaz de transformar a memória. Alquimia enquanto instrumento de expressão.

A ação realizada com as bandeiras somada ao efeito que a trilha sonora (hino do movimento esperantista) trouxe ao trabalho apresenta-nos nações impregnadas na memória do chão, fincadas, miniaturas hasteadas, contrastadas com a leveza e transcendência da ação do tempo sob a inevitável podridão da matéria, depois coladas fragilmente sob a pele do artista, instalando seu corpo como o mapa mundi que é: sublinhando o paradoxo do pertencimento e a luta pela dissolução dos muros. Sendo este o seu corpo e o corpo seu santuário e campo de ação, os movimentos de ordenações intuitivas do artista são elaborados para investigar arquétipos da história da arte, da literatura, do holismo e do judaísmo.

Situados em um contexto histórico de cisões e rupturas, o trabalho propõe a transmissibilidade de saberes neste ímpeto pelos estudos multiculturalistas, nesta dimensão cerimonial em que a história do artista é a história de uma geração inteira, e as rupturas estão aí, para todos. “Bound, bound, Buddha” é um experimento de um poeta incansável que realiza a transmissão de sua linguagem em alinhamento com a construção de toda uma arquitetura espiritual. A arte como encantamento: uma bandeira utópica.

obra licenciada digitalmente através de contemplação no Edital de Fomento n. 038/2020 - Lei Aldir Blanc de Curitiba - Fundação Cultural de Curitiba
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projeto contemplado através do Prêmio Funarte RespirArte 2020 (realização Fundação Nacional de Artes, Secretaria Especial de Cultura e Ministério do Turismo)

PF espaço de performance art, Curitiba / BR

texto Leo Bardo
video Miguel Thomé

2020